Sinto Tanta Falta

              Abri a caixinha. Peguei a lâmina. Deslizei na pele e na carne. Sangrei. Então a morfina fez efeito. Tudo, tudo, tudo se passou. E viciei.
              Que seja um segredo, um pensamento, um desejo, um sonho, uma lembrança, um trauma, uma mágoa, uma lágrima, não importa. Escondo cada um que faço. Por ser um pouco de mim. Pegar a lâmina e fazê-la dançar sob meu corpo, é como se eu fosse a partitura da minha própria música. É relaxante, faz revirar os olhos. Anestesia todo o corpo. Faz a vida ficar alegre. No dia seguinte olho para a lâmina e reconheço o erro, mas agradeço por me ajudar a abrir um sorriso todos os dias e me dar força para manter a máscara que me esconde.
              Parei. E todos os dias agonizo. E todos os dias entro em desespero. E todos os dias choro. E todos os dias quero a morte. E todos os dias sinto tanta falta.

Sinto falta daquela paz
Sinto falta daquele alívio
Sinto falta de poder sorrir com um pouco de verdade
Sinto falta de quando olhava para o mundo e via beleza

Sinto falta de me apaixonar
Sinto falta de ser amigo
Sinto falta de cantar
Sinto falta de escrever

Sinto falta de não me apavorar
Sinto falta de não me segurar para surtar
Sinto falta de não me controlar

Sinto falta de me cortar
De ver o sangue escorrer
E ir embora a angústia
E ir embora a maldade
E ir embora o suicída
E ir embora o rancor